Hermes Trismegistos, o Três Vezes Grande e Muitas Vezes Forjado

por Octavio da Cunha Botelho

A Pseudoepígrafe

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Mosaico de Hermes Trismegistos na catedral de Siena, Itália, século XV.

Atualmente, quando um autor escreve um livro, o seu direito autoral ou o direito autoral da editora é registrado em um órgão especializado para tal registro, em seguida a obra é registada a fim de obter o ISBN (International Stardard Book Number – Número de Livro Padrão Internacional), este recurso foi criado em 1967 e oficializado como norma internacional em 1972. Trata-se de um sistema de identificação numérica de obras literárias. Criada mais recentemente, outra forma de identificação de livros é através de códigos de barras. Para publicações na web, agora existe o DOI (Digital Object Identifier – Identificador de Objeto Digital), um padrão internacional de identificação numérica de artigos e de outras publicações científicas na internet. Estes recursos identificam claramente e asseguram o direito do autor previsto em leis sobre direitos autorais, a violação destes direitos é crime previsto com pena. Essa clara identificação do autor é muito importante para o preciso conhecimento do verdadeiro autor de uma obra.

Entretanto, este processo não existia no passado, as obras não eram registradas com direitos autorias, pois não existia um órgão para tal tarefa, tampouco legislação pertinente, também, não existia identificação numérica da obra e assim por diante. Sendo assim, o conceito de autoria era muito diferente do atual, da mesma maneira, o autor não tinha proteção autoral da sua obra, o que facilitava a falsificação de autoria (pseudoepígrafe) de livros. Ou seja, um autor podia escrever um livro e daí atribuir a autoria para quem ele desejasse, em regra geral, para um autor de prestígio, a fim de que a obra obtivesse fácil aceitação.

Mais do que com os autores de outros assuntos, este procedimento foi frequente entre os autores religiosos do passado. Em sinal de humildade e de submissão, alguns autores religiosos escreviam livros, mas atribuíam a autoria a outro autor de mais prestígio, ou mesmo a um deus ou uma deusa. Mesmo atualmente, com tantos recursos para assegurar os direitos autorais, existem adeptos religiosos, pesquisadores e historiadores que não percebem imoralidade ou crime nestas práticas, alegando que estes religiosos do passado, quando escreviam, se sentiam como canais de transmissão de ensinamentos de uma tradição, portanto com muito pouca, ou nenhuma, criação individual na obra. De modo que o livro poderia ser mais uma compilação do que uma criação do autor.

No entanto, para estes casos, algumas questões devem ser discutidas. Primeiro, o quanto de criação pessoal ou de compilação reproduzida está presente na obra que não caracterize a obra como uma criação pessoal. Segundo, a questão da responsabilidade. Ao atribuir a autoria para outra pessoa, o verdadeiro autor está se isentando da responsabilidade pelos erros, o que o deixa imune, então transferindo a responsabilidade dos erros, que o verdadeiro autor cometeu, para outro autor. Na Índia é frequente um autor religioso se comparar a um papagaio, em sinal de extrema humildade na preparação do seu livro, alegando que ele apenas repete o que aprendeu dos seus mestres. Bem, se comparar com um papagaio é realmente uma comparação humilde, pois, de outra perspectiva, é reconhecer que o autor reproduz aquilo que não entende, tal como um papagaio. Terceiro, o que é mais grave, a questão da astúcia ao atribuir a autoria para outro autor de prestígio ou a um deus. A intenção subjacente é fazer a obrar alcançar aceitação e prestígio usando a autoridade de outro autor.

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Krshna Dwipayana Vyasa foi autor de muitas das principais obras do Hinduísmo.

Um exemplo semelhante muito conhecido no Hinduísmo é o de Krshna Dwaipāyana Vyāsa (कृष्णद्वैपायन व्यास), a quem são atribuídas as autorias de muitas obras, tais como os quatro Vedas (mais de dez mil hinos), o Mahābhārata (cem mil dísticos-versos duplos), os 18 Purānas (cerca de 400 mil dísticos), o Brahma Sūtra, o Yoga Sūtra Bhāshya e mais uma controvertida quantidade de pseudoepígrafes. A justificativa de alguns autores hindus para a autoria de tantas obras, e de tão longa extensão, é a de que Vyāsa não é um autor, mas sim o nome de um cargo de compilador, ocupado por diferentes autores, por isso às vezes o nome Vyāsa é traduzido por compilador. Se for assim, a justificativa ainda não está completa, pois os nomes Krshna e Dwaipāyana especificam um determinado vyāsa (compilador), qual seja, aquele de pele escura (Krshna), gerado pela deusa Saraswatī e que residia em uma ilha (dwipa), daí a palavra Dwaipāyana (residente em uma ilha). Então, se o nome de um compilador (vyāsa) é especificado, qual o nome dos outros vyāsas? Pois, um fato muito comum na história dos ofícios é alguém ocupar um cargo, e se saber o nome deste ocupante do cargo.

A prática da pseudoepígrafe (pseudepígrafe) se mostrou eficiente, com o tempo, no objetivo de alcançar aceitação e prestígio, pois os nomes dos sábios e dos deuses usurpados funcionavam como uma “chancela”, para a legitimidade do texto recém escrito, daí sua consequente credibilidade e aceitação no meio pertinente. Autores como Hermes Trismegistos, Vyāsa e outros funcionaram como chancelas, de modo que, por exemplo, se um livro tivesse a autoria de Hermes Trismegistos, então seria um livro aceito. Algo como se a pseudoepígrafe funcionasse como a porta de acesso à canonização, ou algo como o que chamamos hoje de “selo de qualidade”. Esta chancela, com o tempo, se estendeu para o sistema, por isso Florian Ebeling observou: “Hermetismo parece ter se tornado um selo com o qual um texto e seu conteúdo factual poderiam provocar o reconhecimento de sua ortodoxia e de sua verdade” (Ebeling, 2007: 75). Então, com o crescimento do prestígio da chancela do Hermetismo, dentro do meio esotérico, multiplicou-se a quantidade de escritos em nome desta tradição. Um recente exemplo foi o livro Kybalion: The Hermetic Philosophy of Ancient Egypt and Greece, escrito por Three Initiates (Três Iniciados) e publicado em 1908. Este livro não é mencionado nos textos Hermetica, tampouco pelos hermetistas da Idade Média e do Renascimento, certamente é um texto de Hermetismo tardio, quando o mesmo tinha se fundido com novas ideias, para se somar as tantas outras doutrinas obsoletas do passado. Enfim, o livro que tem a assinatura de Hermes Trismegistos ou do Hermetismo, obtém imediata aceitação no meio esotérico.

Com o tempo a prática da pseudoepígrafe se tornou tão comum e aceitável que, em razão das incertezas das autorias, atribuíram-se autorias aos personagens mais ilustres. Por isso Christian Bull observou: “Os tratados herméticos são atribuídos quer a Hermes ou aos seus discípulos, o que significa que nós não sabemos quem na verdade os escreveu. Isto coloca os Hermetica[1] no gênero da pseudoepígrafe, nos quais encontramos textos que são atribuídos a figuras míticas tais como Orfeu, Museu, Enoque e Seth, ou erroneamente atribuídos a figuras históricas (mas algumas vezes semi-lendárias) tais como Zaratustra, Homero, Pitágoras, Jesus e seus apóstolos”[2] (Bull, 2018: 03).

O Autor que Nunca Existiu

O caso acima é o de Hermes Trismegistos (Ερμης Τρισμεγιστος). Por nunca ter existido, todas as autorias de obras atribuídas a ele são pseudoepígrafes (pseudepígrafes ou pseudoepígrafos). Quando ele não é o autor, ele é o protagonista, ou ambos ao mesmo tempo, autor e protagonista. Por exemplo: o primeiro capítulo do Corpus Hermeticum, conhecido por Poimandres (Ποιμανδρης), um diálogo entre Hermes Trismegistos e Poimandres, este último é o Pensamento (nous)[3] do Poder Supremo (authentes), Hermes é o autor e o personagem (interlocutor) do diálogo com Poimandres. O mesmo acontece em outras obras. Portanto, por nunca ter existido, porém, mesmo assim, esteve presente na imaginação por muitos séculos, Florian Ebeling o denominou de “fantasma” e observou: “O patrono heroico do Hermetismo nunca existiu, Hermes Trismegistos foi uma ficção, uma ficção frutífera com efeitos duradouros. A figura deste lendário sábio egípcio surgiu da fusão de duas divindades de origem altamente divergente: o deus egípcio Thoth e o Hermes Grego” (Ebeling, 2007: 03). Esta fusão pode ter ocorrido durante o período helenístico. O epíteto “Trismegistos” significa “Três Vezes Grande” e é extraído do deus egípcio Thoth, quem já era conhecido por este epíteto no Egito antes do sincretismo (Ebeling, 2007: 03-7 e Bull, 2018: 33s). Na mitologia romana, Hermes era conhecido como Mercúrio. O epíteto “Três Vezes Grande” (Τρισμεγιστος – Trismegistos; Latim: Termaximus) é atribuído a ele, segundo alguns autores, pelo fato de Hermes Trismegistos ter sido um deus, um rei e um sábio, embora, quando lemos a extensa literatura hermética, percebemos que ele foi muito mais que apenas Três Vezes Grande, bem mais do que isto nos mitos, ele foi Muitas Vezes Grande, uma vez que ele exerceu incontáveis funções, tal como veremos mais adiante.

O “Pau para Toda Obra”

            Tal como mencionamos acima, ele foi um personagem mitológico, porém não foi um personagem qualquer, mas, tal como um ator que é capaz de executar diferentes papéis em distintas peças de teatro ou no cinema, ele aparece nos textos herméticos como um protagonista “sabe-tudo” e com uma versatilidade muito diversificada. Além de conhecer incontáveis assuntos, ele se apresenta ora como um deus, ora como um rei, como um mago, como um mestre de sabedoria, como um médico, um astrólogo, um alquimista, um profeta, um educador, um adivinho, um alfabetizador, um construtor de pirâmides e assim por diante. Enfim, Hermes Trismegistos seria aquele ator versátil que os produtores de cinema gostariam de ter sempre à disposição, ou o “operário faz-tudo” que todas as empresas gostariam de ter no seu quadro de funcionários.

A Literatura Hermética

Muitos pensam que o Hermetismo é simplesmente o sinônimo de esoterismo, de magia, de alquimia ou de ocultismo. Esta é uma ideia resultante dos desdobramentos do Hermetismo após séculos de absorção de ideias e de práticas de outras tradições, portanto um conceito contemporâneo de um Hermetismo muito desenvolvido e diversificado. A rigor, o Hermetismo foi diferente em distintas épocas da sua evolução, bem como em diferentes regiões (exemplo: Hermetismo Árabe, Hermetismo de Alexandria, Hermetismo Greco-romano, etc.), de modo que pode ser conceituado de uma maneira na Antiguidade, de outra na Idade Média, de outra na Renascimento de outra na Idade Contemporânea. Com o tempo, novos textos foram compostos e anexados à tradição hermética. De modo que se torna difícil hoje conciliar as opiniões dos diversos autores quanto a quais textos pertencem ou não à literatura hermética, o critério varia de autor para autor. Kevin Van Bladel ponderou: “… não é possível haver qualquer consenso entre os estudiosos hoje sobre quais obras podem ser consideradas como Hermetica” (Van Bladel, 2009: 18). Sendo assim, alguns pesquisadores preferem considerar como herméticos aqueles textos com direta relação com Hermes Trismegistos, ou seja, aqueles cuja autoria lhe é atribuída ou aqueles nos quais ele é um personagem no diálogo, este foi o critério utilizado por Florian Ebeling para circunscrever os limites de sua história do Hermetismo (Ebeling, 2007: 07-9).

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O deus egípcio Thoth fundiu-se com o deus grego Hermes para formar Hermes Trismegistos

            No começo do século III e. c., Clemente de Alexandria registrou em sua obra Stromata, um número de escritos herméticos que eram levados durante uma procissão de culto egípcio. No início da procissão estavam os divinos hinos herméticos e a biografia real. Livros astrológicos tratando das estrelas fixas, dos planetas e seus movimentos eram seguidos por inscrições hieroglíficas sobre temas geográficos, seguindo estes estavam os livros tratando da educação e das práticas de culto. Haviam livros sobre as leis, sobre os deuses e sobre o treinamento dos sacerdotes. Haviam, ao todo, 36 livros de Hermes contendo a filosofia inteira dos egípcios, os quais eram complementados por seis livros sobre questões médicas. Mas, estes números são muito modestos quando comparados aos 36.525 livros herméticos anotados por Menetho ou os 20 mil mencionados por Seleuco (Ebeling, 2007: 09). Entretanto, estes livros não sobreviveram, por isso não conhecemos os conteúdos, do que temos atualmente, os seguintes são os textos fundamentais da tradição de Hermes Trismegistos, divididos em duas categorias:

  1. Os textos filosófico-religiosos (Teologia, Criacionismo, Cosmogênesis, Soteriologia, Cosmologia, etc. e
  2. Os textos técnicos (Astrologia, Magia, Alquimia, Curandeirismo, etc.

            Os textos filosófico-religiosos são os Hermética, os quais incluem as seguintes obras:

  • O Corpus Hermeticum, uma coleção de dezoito tratados (o tratado XV está perdido) composta entre os séculos I e III e. c., conservada em grego através de manuscritos bizantinos dos séculos XIV ao XVI e. c. A edição crítica do texto grego, considerada atualmente pelos estudiosos como a de referência, é a de A. J. Festugiére e A D. Nock, publicada com notas e tradução francesa nos anos 1945-54.
  • O Asclépios (grego: Logos Teleios; latim: Sermo Perfectum), uma coleção de discursos de Hermes Trismegistos para seu discípulo Asclépios, composta entre os séculos II e III e. c. O original grego completo está perdido, só existem fragmentos em grego, sobreviveu completamente apenas através de traduções latinas. Uma versão na língua copta dos parágrafos 21 ao 29 foi encontrada entre os manuscritos da biblioteca de Nag Hammadi em 1945. Os mais importantes manuscritos latinos são dos séculos XII e XIII e. c.
  • Os Extratos de Estobeu, uma compilação de 29 extratos de textos herméticos reunida por João Estobeu no século V e. c., para a educação de seu filho, com alguns extratos relativamente extensos, sobretudo o extrato XXIII, o Kóré Kósmou.
  • Os Textos Coptas da Biblioteca de Nag Hammadi, encontrados em 1945. Dos cinco textos herméticos incluídos nesta biblioteca, dois deles eram previamente desconhecidos: o Discurso sobre a Oitava e a Nona, e a Oração de Ação de Graças.
  • Fragmentos de textos herméticos preservados nos escritos dos padres da Igreja (Tertuliano, Lactâncio, Agostinho, etc.).
  • As Definições de Hermes Trismegistos para Asclépios, uma coletânea de aforismos, preservada na língua armênia traduzida do grego e composta em grego provavelmente no final do século VI e. c.
  • Pequenos fragmentos herméticos em papiros descobertos em arquivos e em bibliotecas na última metade do século XX.

Quanto ao Corpus Hermeticum, Wouter J. Hanegraaff observou: “Nós não sabemos quantos Hermetica filosóficos podem ter existido ou em que ordem eles deveriam originalmente ser lidos. A coleção conhecida hoje por Corpus Hermeticum foi reunida em Bizâncio durante a Idade Média e parece ter sido conhecida vagamente em sua forma atual pelo mesmo desde Michael Psellus, no século XI. Ele consiste de 17 tratados, enumerados confusamente como I-XV e XVI-XVIII desde o século XVI (a enumeração padrão deriva do primeiro editor moderno do texto grego, Adrien Turnèbe, quem, em 1554, incluiu alguns extratos herméticos por Estobeu, tal como o capítulo XV do Corpus, editores mais tarde mantiveram a enumeração de Turnèbe, mas retiraram o capítulo XV” (Hanegraaff, 2018: 02).

Os textos técnicos são:

  • Muitos escritos astrológicos são atribuídos a Hermes Trismegistos, especialmente detalhado é o Livro sobre os Trinta e Seis Decanos, composto talvez no primeiro século a. e. c.
  • Hermes como feiticeiro e mago, tal como mencionado nos Papiros Mágicos Gregos, composto entre os séculos II e IV e. c. Hermes também aparece como um curandeiro mágico no conhecido Cyranidi, composto entre os séculos I e IV e. c.
  • Hermes também é conhecido como autor de obras alquímicas, ele exerceu um importante papel como precursor da alquimia, tal como mencionado nos escritos do alquimista Zózimo de Panópolis, do final do século III e início do século IV e. c.

Além destas obras, podem ser acrescentados os textos herméticos preservados em traduções árabes (Van Bladel, 2009).

O Hermes Árabe

            A mais conhecida lenda árabe menciona a existência de três Hermeses. O primeiro Hermes foi o neto de Adão e viveu antes do Dilúvio. Os hebreus o consideravam ser o profeta Enoque, enquanto os árabes o consideravam ser Idrīs, um profeta mencionado no Alcorão por ser correto e determinado (capítulos 19 versos 56-7 e 21 versos 86-7). Como o primeiro astrólogo, ele foi instruído por Adão quanto às horas que dividem o dia e a noite. Ele construiu pirâmides e cidades no Alto Egito, onde ele viveu e alertou quanto à destruição do mundo pela água e pelo fogo. A fim de salvar a florescente ciência antediluviana da destruição durante o Dilúvio, ele construiu um templo e gravou todo o seu conhecimento científico esculpindo-o nas paredes. O segundo Hermes viveu após o Dilúvio na Babilônia (antigo Egito) e ficou conhecido por ter ensinado filosofia e matemática para Pitágoras. O terceiro Hermes continuou a tradição, novamente no Egito. Ele escreveu um livro sobre alquimia e foi o mestre de Asclépios (Ebeling, 2007: 45, para aprofundamento, consultar Van Bladel, 2009: 121s). Portanto, este terceiro Hermes é o que é conhecido por Hermes Trismegistos.

            Embora sem consenso, Hermes é o profeta Idrīs na interpretação de alguns mulçumanos, com quem os judeus identificam com Enoque, mencionado em duas passagens do Alcorão: “Mencione também, no Alcorão, a história de Idrīs. Ele foi um homem de verdade, um profeta. Nós o elevamos a uma alta posição” (19: 56-7). “E lembre-se de Ismael, de Idrīs e de Dhul Kifl,[4] eles todos foram determinados. Nós os admitimos à nossa compaixão, eles foram verdadeiramente virtuosos” (21: 86-7).

            Em linhas gerais, o Hermeticismo árabe enfatiza mais os temas práticos (alquimia, astrologia, magia, etc.) do que os temas filosófico-religiosos, tal como no Corpus Hermeticum, de modo que, na literatura hermética árabe, Hermes está mais para um mago do que para um sábio (ver, Van Bladel, 2009).

Os Delírios dos Renascentistas

            Em 1460, um agente de Cosino de Medice trouxe de Bizâncio para Florença um manuscrito grego do Corpus Hermeticum. A obra impressionou os intelectuais da academia florentina. Cosino imediatamente pediu que Marcilio Ficino (1433-1499) interrompesse as suas traduções de Platão e iniciasse a tradução para o Latim deste texto hermético. Ficino terminou a tradução latina do Corpus em 1463, cuja publicação aconteceu em 1471, com o título de Pimander (nome do primeiro tratado do Corpus), porém apenas os tratados I-XIV. A tradução latina dos tratados XVI-XVIII foi completada por Lodovico Lazzarelli (1447-1500) e publicada em 1507, após sua morte (o texto do tratado XV está perdido). Este evento deu início a uma onda de entusiasmo pelo Hermetismo na Itália, cuja ressonância se espalharia pela Europa, no entanto, de uma maneira um tanto diferente da tradição que tinha sido preservada durante a Idade Média, ou seja, ao invés da conhecida tradição hermética sobrecarregada de alquimia, tal como a preservada durante a Idade Média, agora a Europa reencontrava a tradição filosófico-religiosa da tradição hermética, através das publicações do Corpus Hermeticum e do Asclépios.

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Marsílio Ficino (1433-1499) traduziu o Corpus Hermeticum para o Latim, publicado em 1471.

A fim de diferenciar claramente estas duas tradições herméticas, quais sejam, a tradição técnica (alquimia, astrologia, magia, etc.) e a tradição filosófico-religiosa (teologia, cosmologia, soteriologia, etc.), alguns autores, que escrevem na língua inglesa, sugerem alterar a abrangente denominação inglesa Hermeticism (Hermeticismo), a qual abrange a generalidade das artes ocultas, para a denominação inglesa Hermetism (Hermetismo), esta última referindo-se assim apenas à tradição filosófico-religiosa, conhecida também por Hermética Alexandrina, por ter sido composta por sacerdotes egípcios helenizados. Antoine Faivre explicou: “Gradualmente, Hermes e Hermeticismo passaram cada vez mais a significar alquimia ou teosofia – ou esoterismo no sentido moderno do termo” (Faivre, 1995: 60, 39 e Hanegraaff, 2018: 02). Quando do novo ressurgimento do Hermetismo no século XIX, com a fundação de grupos herméticos, tais como a Hermetic Order of the Golden Dawn (Ordem Hermética da Aurora Dourada), Hermetic Brotherhood of Luxor (Fraternidade Hermética de Luxor), Mysteria Mystica Aeterna e a Esoteric School of the Theosophical Society (Escola Esotérica da Sociedade Teosófica), o Hermetismo já tinha se tornado uma denominação comum para as diversificadas formas de artes ocultas (alquimia, astrologia, magia, tarô, numerologia, quiromancia, etc.), com tal abrangência que um autor o definiu como “uma coisa sem cantos e extremidades” (Ebeling, 2007: 11).

            Marcilio Ficino, no prefácio da sua tradução latina do Corpus, utilizando-se de dados mitológicos e não de dados históricos, exaltou Hermes Trismegistos como o fundador da filosofia (prīscus theologus). Este prefácio foi influente na sua época e nos anos seguintes, até a contestação da antiguidade de Hermes Trismegistos e dos textos herméticos por Isaac Casaubon, em 1614. Com base em mitos dos autores neoplatônicos e cristãos da Antiguidade clássica, Ficino desenvolveu uma fantasiosa genealogia desde Hermes Trismegistos até Platão, que alcançou influentes consequências: “Como o primeiro filósofo, ele (Hermes) voltou-se das coisas naturais e da matemática para a contemplação do divino. Ele foi o primeiro a descobrir, com grande sabedoria, a majestade de deus, o ordenamento dos espíritos e as mudanças da alma. Ele foi chamado de o primeiro autor da teologia. Ele foi seguido por Orfeu, quem obteve a segunda posição entre os antigos teólogos. Aglaofemo foi iniciado nos mistérios órficos, Pitágoras o seguiu na teologia e mais tarde foi seguido por Filolau, quem foi o mestre do divino Platão. Aí, assim surgiu uma única e, internamente consistente, teologia primordial (prisca theologia)” (Ebeling, 2007: 62).

            Então, estes são os seis primogênitos da filosofia (prīscī theologī). Esta genealogia de Ficino é uma dentre outras criadas por simpatizantes de Hermes Trismegistos desde a Antiguidade até o Renascimento (Cícero, Agostinho, Lactâncio, etc.). Para ele, Hermes Trismegistos antecedia Moisés e outros profetas bíblicos.  De uma maneira um pouco diferente, Francisco Patrizi (1529-1597) também criou uma genealogia fantasiosa da Prisca Theologia, que começava com “Zoroastro, quem é considerado ser o autor dos Oráculos Caldeus. Zoroastro fundou colônias no Egito e encontrou um descendente no rei Osíris, quem tinha um conselheiro chamado Hermes Trismegistos. O neto deste último era também chamado de Hermes Trismegistos. Após Zoroastro, este Hermes, que viveu antes de Moisés, foi o segundo mais importante filósofo. Uma vez que a sabedoria tinha sobrevivido entre os sacerdotes egípcios, Orfeu e Pitágoras foram iniciados nela enquanto estavam no Egito. Até mesmo Platão esteve nesta tradição de sabedoria, a qual foi interrompida, entretanto, por Aristóteles. Foi Amonio Sakkas (175-242 e. c.), o fundador da escola neoplatônica, quem, uma vez mais, colocou vida nesta antiga sabedoria de Zoroastro e de Hermes Trismegistos. Por causa de seu selo aristotélico, a Idade Média interrompeu esta tradição, até que Raimundo Lulo (1235-1315) e Paracelso (1493-1541) a renovaram uma vez mais” (Ebeling, 2007: 68-9). Enfim, todos estes criadores de genealogias dos primeiros filósofos estavam confundindo mito com história.

            Então, com o tempo, genealogias cada vez mais ecléticas e delirantes foram sendo criadas, Antoine Faivre mencionou uma lista típica ou genealogia filosófica, a qual assumiu a seguinte forma: Enoque, Abraão, Noé, Zoroastro, Moisés, Hermes Trismegistos, os Brâmanes, os Druidas, Davi, Orfeu, Pitágoras. Platão e as Sibilas” (Faivre, 1995: 39). A inclusão dos Brâmanes e dos Druidas nesta lista não é apenas estranha, mas também cômica. Bem, será que todos os milhões de brâmanes, atuais e do passado, estão incluídos nesta lista? Até aqueles dos tempos védicos que executavam o पुरुषमेध – Purushamedha (sacrifício humano) e o अश्वमेध – Ashwamedha (sacrifício do cavalo), tal como relatados nos antigos textos Brāhmanas, também eram filósofos? Da mesma maneira, será que até os sacerdotes druidas, que não tinham escrita, portando analfabetos, eram filósofos? Um analfabeto pode ser filósofo e existe filosofia sem literatura?

            Os delírios de Ficino foram tão fantasiosos que ele chegou a dizer que “ele (Hermes Trismegistos) frequentemente falava não apenas como um filósofo, mas também como um profeta. Ele previu a queda das antigas religiões, a vinda de Cristo, o próximo Dia do Juízo, a Ressurreição, a glória do abençoado e a punição dos pecadores” (Ebeling, 2007: 62). Bem, se acreditarmos em tudo que é atribuído a Hermes Trismegistos, ele não foi apenas filósofo e profeta, ele foi muito mais que isto: governante, mago, mestre, alquimista, astrólogo, médico, construtor, adivinho, alfabetizador, escriba, sacerdote, etc.

A Ducha de Água Fria

            Entretanto, esta delirante festa hermetista teve um fim para muitos crédulos nestas fantasias e o “desmancha prazer” foi o pastor e humanista Isaac Casaubon (1559-1614), quem demonstrou, através de uma séria pesquisa histórica, linguística e filológica, publicada em 1614, que Hermes Trismegistos não poderia ser tão antigo como imaginavam os seus admiradores, bem como apresentou fortes argumentos de que os textos do Corpus Hermeticum e do Asclépios foram compostos entre os séculos I e IV e. c., e não na remota antiguidade atribuída pelos renascentistas, por estarem repletos de ideias helenísticas e cristãs. Uma evidência concreta de que o Corpus Hermeticum não poderia ser tão antigo, tal como apontavam os seus deslumbrados admiradores, é a menção, no tratado XVIII § 04, do célebre escultor grego, Fídias (Φειδίας – Pheidias), quem viveu de 480 a 430 a. e. c.: “Se em particular, a matéria da qual Fídias, o escultor, se utilizou não lhe tivesse obedecido…” (ver: Festugière, 1945-54, tome II: 249; Nebot, 1999: 239; Ebeling, 2007: 92 e Regal, 2009: 78).

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Isaac Casaubon (1559-1614) demonstrou, através de um estudo histórico e filológico, que Hermes Trimegistos e o Corpus Hermeticum não poderiam ser tão antigos

            Com base em seu amplo conhecimento histórico e filológico da língua grega, Casaubon argumentou que “o Corpus Hermeticum usa conceitos que não podem ter originado em uma época tão remota. Se os textos do Corpus Hermeticum são, de fato, pré-cristãos, eles não deveriam exibir diferença estilística importante daquela dos mais antigos escritores gregos, tal como Heródoto. A linguagem, contudo, claramente usa um estilo tardio, em particular, ela emprega muitas palavras que apareceram no Grego somente após o nascimento de Cristo” (Ebeling, 2007: 92). Também, Casaubon não acreditou que Hermes Trismegistos fosse o autor e chamou o autor do Corpus Hermeticum de forjador (idem: 92). Ele também apontou as semelhanças entre frases do Novo Testamento e do Corpus Hermeticum, argumentando que este último texto não poderia ser pré-cristão. E que os textos do Corpus não registravam a antiga sabedoria egípcia, mas eram, na verdade, um aglomerado de conceitos platônicos e cristãos escritos após a época de Cristo (Idem: 91 e Van Bladel, 2009: 06-7).

            Apesar de Casaubon ser unanimemente considerado o grande contestador da remota antiguidade do Corpus Hermeticum, mais especificadamente, Wouter J. Hanegraaff observou que antes de Casaubon, o discípulo de Adrien Turnèbe, Gilbert Genebrard, Matthieu Béroalde e Jean van Gorp já vinham criticando a remota antiguidade do Corpus Hermeticum desde 1567. Portanto, Casaubon parece ter sido apenas o protagonista final e culminante de um debate que tinha iniciado quase um século antes (Hanegraaff, 2018: 07 e Ebeling, 2007: 95). Parece que, de imediato, a alquimia não foi afetada com as críticas de Casaubon, porém, outro autor, Hermann Conring, professor de medicina na universidade de Helmstedt, publicou em 1648 um livro contestando a validade da alquimia de Paracelso. Ele concordou que os livros, com autoria atribuída a Hermes Trismegistos, eram falsificações, também alegou que um homem com este nome nunca existiu e que a medicina dos egípcios era pura superstição, bem mais que a dos gregos, assim como a matemática, a física e a filosofia (Ebeling, 2007: 97).

            As obras de Isaac Casaubon e de Hermann Conring impactaram como duchas de água fria no entusiasmo dos hermetistas da época e das gerações seguintes, o esfriamento foi tão forte que, no período entre 1630 a 1856, não aconteceram publicações de textos herméticos, em razão da queda no interesse pelo assunto (Faivre, 1995: 186s e Van Bladel, 2009: 06). O interesse somente ressurgiria nos meados do século XIX com a formação de grupos herméticos, misturando todas as artes ocultas em um só caldeirão chamado Hermetismo.

Crítica 

Desde um ponto de vista crítico, pode-se definir, através de palavras simples e de forma resumida, que o Hermetismo é a mais bem-sucedida intelectualização da superstição. Pois, ao longo da história, nenhuma outra superstição antiga foi capaz de se revestir de tanta intelectualidade como o Hermetismo. De certa maneira, ele é um curioso exemplo de como a imaginação humana é capaz de transformar uma cultura supersticiosa em uma cultura intelectualizada e sofisticada, capaz de atrair personalidades cultas e indivíduos das altas classes sociais para o seu séquito. Pois, ele é uma sortida mistura de mitologia egípcia, superstições religiosas e a racional filosofia helenística. Diferente das superstições das crendices incultas, as quais não possuem literatura, menos ainda exegese, as ideias herméticas, por sua vez, são superstições com uma extensa literatura reveladora e exegética, revestidas de linguagem e de rituais sofisticados que as encobrem com um verniz intelectual (graças à intromissão das ideias filosóficas gregas), portanto brilhantes e sedutoras para aqueles que se encantam com especulações e com práticas antigas. Com isso suas especulações assumem a aparência de cientificidade. Portanto, não é sem motivo que Brian Regal incluiu a doutrina de Hermes Trismegistos como um exemplo de pseudociência em sua enciclopédia Pseudoscience: A Critical Encyclopedia (Regal, 2009: 78-9). A razão para esta inclusão reside na insistência dos adeptos e dos admiradores em denominar as especulações rudimentares de Hermes Trismegistos, e de seus seguidores, como “Ciência Hermética” ou “Filosofia Hermética”. Quando um autor assim as denomina, ele está ignorando o caráter evolutivo das ciências e das filosofias, pois o que era conhecido como ciências, na época da composição dos primeiros textos herméticos (primeiros séculos da Era Comum), hoje estes ensinamentos são reconhecidos como especulações primitivas, pois as metodologias científicas utilizadas nestas duas épocas são enormemente diferentes.

As doutrinas herméticas são às vezes tão bizarras e absurdas, para o estreante na leitura deste assunto, que um cético, com formação científica e racional, ao ler pela primeira vez, poderá formar a ideia de que a doutrina desta antiga tradição é produto de um delírio esquizofrênico. O mesmo não será percebido por aquele acostumado a ler sobre a cultura e as religiões da Antiguidade. As doutrinas herméticas se enquadram perfeitamente nesta época, pois foram extraídas das ideias contemporâneas de outros sistemas.

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A descoberta de textos herméticos entre os manuscritos de Nag Hammadi foi uma surpresa para os pesquisadores.

A comunicação hermética nos faz lembrar aquele interessante exemplo, citado pelos psicólogos da persuasão, ou seja, daquela persuasiva arte de convencer alguém mais pela astúcia da retórica, pela comoção da eloquência, pela fascinação, pela oratória brilhante ou pela argumentação persuasiva, do que pelo próprio conteúdo da mensagem, ou seja, mais pela forma do que pelo conteúdo. O exemplo disto é mencionado pelos pesquisadores da persuasão através da experiência de alguém que admira um quadro de pintura pela beleza da moldura e não pela beleza da pintura em si, isto é, a beleza da moldura sugestiona a opinião do observador sobre a beleza da pintura. Trata-se do frequente caso de prestar mais atenção na forma externa do que no conteúdo, algo como julgar um livro pela capa ou um filme pelo cartaz. Da mesma maneira, o Hermetismo seduz pela curiosidade dos mistérios (a verdade está oculta nos mistérios antigos), pelo encantamento dos rituais (os rituais reproduzem as realidades que a inteligência não é capaz de entender), pelo enigma dos símbolos (quanto mais simbólico, mais verdadeiro), pela antiguidade das doutrinas (quanto mais antigas, mais sábias), pela oportunidade das iniciações (só o iniciado conhece a verdade), pela sabedoria dos mitos (quanto mais fantasiosos, mais significativos) e pelo deslumbramento das revelações. Porém, desde uma perspectiva comedida, toda esta atração sedutora encobre uma enormidade de revelações delirantes, de especulações infundadas e de práticas supersticiosas.

A Decepção com o Obsoletismo

            Que nos grupos esotéricos, tal como nas igrejas populares, o número de dissidentes decepcionados com o que aprenderam ou com o que experimentaram é grande, só aqueles que os frequentaram podem saber, uma vez que estes grupos, assim como as igrejas, escondem estes fatos. De modo que a rotatividade de frequentadores e de membros é grande. Com efeito, existem muitos que abandonam estes grupos esotéricos por decepção, e uma das decepções mais frequentes é o reconhecimento do obsoletismo das doutrinas e a supersticiosidade das práticas. Quando chega o momento cujo adepto é capaz de isolar as exaltações, as esperanças infundadas, as promessas utópicas, a fascinação e os louvores, os quais revestem as doutrinas e as práticas esotéricas, então ele é capaz de perceber, por trás destes revestimentos sedutores, um conjunto de ideias e de práticas que apenas tem validade para a cultura da Antiguidade e da Idade Média. Pois, esoterismo é mais fascinação do que realidade, também, a sedução pelo mistério e pelo oculto impede a percepção do obsoletismo e faz com que ideias antigas pareçam ter atualidade.

             O remédio para esta cegueira evolutiva é o estudo da história das ideias, mas não com base na versão da tradição, e sim na versão dos estudos acadêmicos e imparciais, independentes da versão tradicional. O estudo da história sempre foi um incômodo para as religiões e, também, inevitavelmente, para o esoterismo, uma vez que é capaz de apontar o tanto que as doutrinas são baseadas em mitos e em boatos, que carecem de historicidade.

A Decepção com o Segredo

            O Hermetismo, juntamente com outras tradições esotéricas (Rosacruz, Maçonaria, Sociedade Teosófica e outras), enfatiza sobremaneira o segredo. O iniciado é obrigado a guardar segredo sobre algumas revelações que lhe são transmitidas, bem como sobre os rituais. Para estas tradições iniciáticas, o segredo é uma força poderosa. Pois, ele ajuda na preservação da sacralidade das doutrinas esotéricas, evitando que as mesmas caiam nas mãos dos indivíduos despreparados para recebê-las. Esta é a versão dos esotéricos.

            Entretanto, uma ocorrência é comum entre aqueles que se aventuram no ingresso nestas escolas esotéricas, qual seja, a decepção com estes segredos, por dois motivos. Primeiro, a descoberta de que estes segredos não são na realidade tão secretos, uma vez que, se o iniciado se dispuser a pesquisar, descobrirá que estes segredos estão disponíveis em dezenas de livros publicados abertamente. E segundo, o que é ainda mais decepcionante, que estes segredos ou mistérios não são grandes coisas, ou seja, tratam-se de ideias obsoletas, de superstições, de crendices e de práticas inúteis.

            Por exemplo, os herméticos, desde a Antiguidade, consideram suas doutrinas e suas práticas altamente secretas, tanto assim que a palavra “hermético” se transformou em sinônimo de algo muito secreto. Este sentimento de segredo foi revivido durante a Renascimento, através da admiração e da exaltação de Marsilio Ficino, de Giordano Bruno e de outros, quando o Hermetismo já tinha se transformado em uma tradição quase esquecida. Entretanto, estudos acadêmicos e históricos recentes têm revelado que as doutrinas herméticas não são tão secretas, uma vez que são uma mistura de doutrinas egípcias, platônicas, pitagóricas, neoplatônicas, judaicas, persas, cristãs, neopitagóricas e gnósticas, das quais temos abundantes publicações (para aprofundamento na história da tradição de Hermes Trismegistos, as obras de referência são: Faivre, 1995; Broek, 1998; Ebeling, 2007 e Bull, 2018).  Existe também uma literatura hermética em árabe, traduzida do persa e do grego, daí a criação de um “Hermes Árabe” (ver: Van Bladel, 2009). Para conhecer as fontes das ideias herméticas nos seus textos principais (Hermetica), consultar as traduções espanholas de Xavier Renau Nebot, Textos Herméticos, 1999, com abundantes notas de identificação das fontes doutrinárias do Hermetismo.

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A prática da pseudoepígrafe era comum na Antiguidade e na Idade Média

A rigor, o Hermetismo é formado de uma mistura de ideias tão diversificada, que os pesquisadores e os historiadores ainda discutem o quanto de ideias egípcias estão presentes na doutrina hermética. Até poucas décadas atrás, pensava-se que o Hermetismo não possuía elementos egípcios em suas doutrinas, apenas o sincretismo entre o deus egípcio Thoth e o deus grego Hermes. Entretanto, esta opinião mudou após a descoberta de textos herméticos, na língua copta, entre os manuscritos da biblioteca de Nag Hammadi, estes são: The Discourse of the Eighth and Ninth (O Discurso da Oitava e da Nona), The Prayer of Thanksgiving (A Oração da Ação de Graças) e o Asclepius 21-29 (Parrott, 1990: 321-38 e Nebot, 1999: 247-56 e 493-501).

            Durante a Renascimento, a admiração pelo Hermetismo foi tão delirante, por parte de alguns entusiasmados, que se criaram versões exaltando Hermes Trismegistos como o pai da filosofia, que Pitágoras foi seu discípulo, que ele viveu em uma antiguidade muito remota, portanto anterior a Moises, que ele foi o fundador da sabedoria no mundo, etc., etc. Na Renascimento, a compreensão da escrita heiróglifa já não era mais possível, ou seja, a compreensão da escrita tinha se perdido, então, hermetistas delirantes fantasiaram as ideias de que os hieróglifos continham uma grande sabedoria em seus escritos. O caso mais fantasioso, e até certo ponto cômico, foi o do esoterista inglês Athanasius Kircher (1601-1680), o qual se aventurou precipitadamente em traduzir alguns hieróglifos disponíveis na época, alegando ter conseguido decifrar a escrita egípcia, isto é, antes da decifração definitiva de Jean-François Champollion em 1822. Kircher imaginava que os hieróglifos guardavam mensagens religiosas e místicas hermeticamente cifradas, então os traduziu a partir desta pressuposição. Quando da decifração definitiva e universalmente aceita de Champollion, descobriu-se que as fantasiosas traduções de Kircher dos hieróglifos com mensagens religiosas, eram, na verdade, comunicados administrativos, relatos de triunfos em batalhas, editos dos faraós e outros textos burocráticos, embora existam textos religiosos em hieróglifos, mas não foram estes que Kircher tentou traduzir. Para conhecer mais concepções fantasiosas de Athanasius Kircher, consultar o livro de John Glassie, A Man of Misconceptions: The Life of an Eccentric in an Age of Change (Um Homem de Concepções Erradas: a Vida de um Excêntrico em uma Era de Mudança), 2012.

            Também, no livro Picatrix, muito estimado pelos hermetistas árabes, é mencionado que “a antiga sabedoria hermético-egípcia era um instrumento tão poderoso que teve de ser codificada, escrevendo-a em hieróglifos” (Obeling, 2007: 47). Os hermetistas árabes, sem compreenderem a antiga escrita egípcia, também imaginavam que os hieróglifos registravam segredos herméticos, registros que até agora não foram encontrados após tantos anos de exploração arqueológica no Egito. A comprovação de que os hermetistas estavam delirando quando afirmavam que os hieróglifos egípcios registravam a sabedoria hermética aconteceu com a fundação da Egiptologia, após a decifração por J. F. Champollion, em 1822, quando, desde então, não foi possível encontrar, nas centenas de textos hieróglifos já encontrados, através de escavação no Egito, os quais depois foram decifrados e traduzidos, sequer algum que mencionasse os Corpus Hermeticum, o Asclépios, a Tábua de Esmeralda ou qualquer outro dos textos Hermetica (Ebeling, 2007: 131). Os hieróglifos egípcios são mudos quanto à literatura hermética. De modo que, a decifração dos hieróglifos foi outra “ducha de água fria” para os adeptos e para os simpatizantes do Hermetismo.  Florian Ebeling observou: “Ambas, a figura e os escritos de Hermes Trismegistos são o produto de um sincretismo da filosofia helenística da natureza, a qual era em si uma aglomeração de doutrinas pitagóricas, estoicas, platônicas e aristotélicas, intercaladas com motivos da mitologia egípcia e temas de origem iraniana e judaica” (Ebeling, 2007: 09).

Também nos textos herméticos, pode-se acrescentar a influência da doutrina cristã, uma vez que nestes, sobretudo no Corpus Hermeticum e no Asclépios, aparecem terminologias cristãs tais como nas passagens do Corpus Hermeticum, cap. I (Poimandres), § 5 e 6: “Santo Verbo” (αγιος λόγος – agios logos), “Filho de Deus” (υιος θεου – uios theou), tal como na frase λόγος υιος θεου (logos uios theou), “o Logos é o Filho de Deus”, também na frase: νους πατηρ (nous pater), “o Pensamento (nous) é o Pai” (ver: Nebot, 1999: 77 e Salaman, 2000: 18). Também, no tratado XIII § 02, a frase: “deus filho de Deus” (Θεου θεος παις –Theou theos pais) (Festugière, 1945-54, tome II: 201, Nebot, 1999: 207 e Salaman, 2000: 65).

            Apesar da imensa influência e da dependência da cultura grega na composição dos textos herméticos, pois a maioria foi composta e preservada na língua grega, ou traduzida do grego para o latim ou para o árabe, observe o insulto ao povo grego e à língua grega na passagem do Corpus Hermeticum XVI, § 01-2: Asclépios disse que Hermes costumava dizer que “aqueles que lerão meus livros acharão a composição simples e clara, enquanto que, obscuro e oculto o significado das palavras e que será ainda mais obscuro quando os gregos, mais tarde, traduzirem-nos de nossa língua (o egípcio) para a sua (o grego), o que conduzirá a uma completa distorção do texto e a sua total obscuridade”. E mais adiante: “… preserva bem este discurso de toda tradução a fim de que tão grandes mistérios não cheguem aos gregos e que a orgulhosa elocução dos mesmos, com a sua falta de sensibilidade e com o que se poderia dizer falsas graças, faça empalidecer e desaparecer a gravidade, a solidez, a virtude eficaz dos vocábulos de nossa língua. Pois os gregos, ó rei, possuem apenas discursos vazios, bons para o efeito de demonstrações; e é isto que é toda a filosofia dos gregos, um rumor de palavras. Quanto a nós, não nos servimos de simples palavras, mas de sons repletos de eficácias” (Festugiére, 1945: tome II, 231-3; Nebot, 1999: 226-7 e Salaman: 2000: 74).

            Dentre outras, uma curiosidade nas advertências acima é a de que “tão grandes mistérios não cheguem aos gregos”, sendo que, quase todas as doutrinas mencionadas no Corpus Hermeticum são de origem grega. Ora, como evitar que as ideias herméticas cheguem aos gregos se elas vieram em grande parte dos gregos?

Decepção Pessoal   

Eu mesmo experimentei esta decepção quando, após ser iniciado e começado a praticar a disciplina em uma instituição esotérica oriunda da Índia, após alguns anos decidi, nos anos 1980, realizar uma viagem àquele país para aprofundamento na doutrina e para iniciação nos estudos da língua sânscrita. Durante os anos que frequentei este grupo esotérico, fui doutrinado na ideia de que algumas doutrinas e algumas práticas eram muito secretas, por isso reservadas aos iniciados, as quais não poderiam ser divulgadas publicamente. Por isso, as publicações desta instituição esotérica não eram vendidas em livrarias, somente para os membros frequentadores dos ashrams, por ser tão secretas. Bem, então, estando lá, quando fui capaz de começar a ler nesta antiga língua, comecei a perceber que muitas doutrinas e práticas, consideradas altamente esotéricas, eram comuns com algumas correntes do Hinduísmo, a religião mais popular da Índia, com cerca de um bilhão de seguidores. Isto é, estes ensinamentos e rituais eram popularmente conhecidos e praticados na religião hindu.

Recordo-me da decepção quando encontrei, pela primeira vez, na casa de um parente do meu instrutor, durante uma visita, um manual de orientação para a execução do ritual Sandhyāvandana (सऺध्यावन्दन),[5] um antigo ritual védico executado por milhares de brâmanes, por muitos séculos, durante a aurora ou o crepúsculo do dia ou da noite, mais comumente na aurora. Este antigo ritual védico (tal como quase todas as práticas antigas, é supersticioso) é o mesmo que, na instituição esotérica que frequentava, é praticado com o nome deturpado de “Prática da Saúde”,[6] este, ao invés de ser diariamente executado na aurora, aqui no Ocidente se praticava no domingo de manhã, a fim de assemelhar-se à missa católica. No Hinduísmo, o Sandhyāvandana é um ritual doméstico, onde o brâmane executa o ritual para sua família, enquanto que, aqui no Ocidente, é um ritual coletivo praticado nos ashrams. Este evento deu início à minha decepção com o esoterismo desta instituição que frequentava, pois, a partir do meu conhecimento da língua sânscrita, descobri tantas coisas em comum com o Hinduísmo popular e supersticioso.

Ademais, as decepções com as disciplinas práticas. Após a iniciação, o iniciante recebe de seu instrutor as disciplinas a serem executadas individualmente (exercícios de respiração, técnicas de concentração, de visualização, de imaginação, de meditação, etc.), conforme o respectivo grau, mediante o juramento de não revelar a natureza das mesmas. Conforme os graus progridem, o iniciado é informado que as práticas se tornam mais secretas e mais poderosas. A decepção acontece quanto o praticante tem a curiosidade de pesquisar, então descobre que aquelas práticas secretas são conhecidas publicamente, algumas ensinadas em livros populares, em cursos abertos a todos, em práticas coletivas e que algumas são até desaconselhadas por médicos e por psiquiatras, por riscos de prejuízo à saúde física ou mental.

Às vezes, nas instituições esotéricas nas quais as instruções são reveladas ou as disciplinas praticadas conforme os graus do discípulo (exemplos: Rosacruz e Maçonaria), os segredos são revelados através de um outro segredo no grau seguinte, e assim por diante ad infinitum, sem nunca encontrar uma explicação ou um fundamento para as ideias ou para as práticas. Por isso, alguns críticos dizem que estes ensinamentos esotéricos são como um poço sem fundo, onde nunca se consegue encontrar a água no fundo.

Também, é curioso o frequente hábito de alguns esoteristas de tentar explicar um simbolismo através de outro simbolismo, como se a presença de um símbolo semelhante em outra tradição justificasse o significado de um símbolo. Algo como um símbolo interpretando outro símbolo. Esta prática se tornou tão frequente entre os esoteristas que foi criado um tópico conhecido por “Simbolismo Comparado”. Dois comparatistas muito conhecidos foram René Guénon e Julius Evola. Enfim, explicar ou interpretar um símbolo através de outro símbolo não é explicação suficiente, é algo como “trocar seis por meia dúzia”, ou seja, a inexplicabilidade permanece a mesma.

Referências

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Notas

[1] Hermetica é um adjetivo latino no plural de hermeticum (hermético), portanto significa “herméticos”. Com o tempo, convencionou-se chamar de Hermética os textos mais diretamente relacionados a Hermes Trismegistos. Quais textos são incluídos ou não nos Hermética varia de coleção para coleção, conforme os critérios do autor ou do editor, bem como a descoberta de novos textos. A coleção mais atualizada é a publicada e comentada por Xavier Renau Nebot, Textos Herméticos, Editorial Gredos, 1999, a qual incluiu recentes descobertas.

[2] Os seguidores do Hermetismo consideravam Hermes Trismegistos como o primeiro filósofo e o primeiro profeta da humanidade, portanto todos os outros sábios e místicos que surgiram em seguida eram seus discípulos, então qualquer um destes poderia ser o autor de uma obra hermética.

[3] A tradução do termo grego nous (νους) é divergente, ora é traduzido por intelecto, ora por mente, alma ou pensamento, de modo que alguns autores preferem não traduzir.

[4] Alguns autores sugerem que este seja o profeta Ezequiel.

[5] सऺध्या (sandhyā) significa literalmente “junção”, portanto junção do dia e da noite, ou seja, “aurora” ou “crepúsculo”.  वन्दन (vandana) significa “adoração”, portanto sandhyāvandana significa “adoração à aurora ou ao crepúsculo.

[6] Recebeu este nome aqui no Ocidente em razão do ritual de invocação de antigos deuses védicos, através de mantras e de gesticulações, a fim de magnetizar a água que, em seguida, é tocada em diferentes partes do corpo (olhos, nariz, ouvidos, etc.), na intenção de proporcionar saúde ou realizar curas. Não existe confirmação devidamente científica de que a água magnetizada através de ritual tenha efeito salutar e terapêutico, apenas confirmações de experimentos pseudocientíficos.

3 comentários sobre “Hermes Trismegistos, o Três Vezes Grande e Muitas Vezes Forjado

  1. O paradoxo da desigualdade

    Através do reconhecimento da injustiça social, onde poucos tem muito e muitos têm pouco, um dos caminhos a seguir é o político, e indo direto ao ponto, vamos ao Marxismo: “A história da sociedade é a da luta de classes”. E que após uma ditadura do proletariado atingimos o Comunismo, a sociedade ideal, uma anarquia de auto-gestão consciente e fraterna.

    Outro caminho é o espiritual, e mais uma vez indo direto ao ponto – uma vez que o Cristianismo se estabelece como a principal religião do mundo – disse Jesus: “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.”

    Vale lembrar que este trecho específico é alvo de debates, pois é possível que algo tenha se perdido nas traduções, desde ‘camelo’ significando um ‘fio’ (mais grosso que o normal) e ‘agulha’ uma passagem estreita nos muros da cidade. De qualquer maneira, segundo Mateus, quando diante de tais palavras os discípulos reagiram com espanto, foi-lhes informado que o que é impossível aos homens, a Deus “tudo é possível”.

    Daí que, entre a Bíblia e O Capital fundamenta-se um outro paradoxo. Enquanto neste a desigualdade deve ser corrigida; naquele, deve ser não apenas aceita, como desejada. Recentemente o Papa canonizou irmã Dulce, freira baiana que dedicou a vida a cuidar dos pobres. Aliás, Papa Francisco, em referência a Francisco de Assis, jovem abastado que se desapegou das riquezas para virar ícone da humildade.

    Francisco de Assis e Che Guevara entram num bar…

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