O Desproveito Científico do “Planetário Védico”

por Octavio da Cunha Botelho

            Para aqueles familiarizados com os avanços científicos, é intrigante pensar nos motivos que levam indivíduos a gastarem milhões de dólares na construção de uma gigantesca e dispendiosa obra sobre uma visão do universo tão distantemente obsoleta. Trata-se da atual construção de um luxuoso templo para abrigar um enorme planetário védico, com base nas mitológicas noções cosmológicas dos Purānas, sobretudo no Livro V do Bhāgavata Purāna, um antigo texto mitológico do Hinduísmo, com previsão de inauguração da obra em 2022, levada a cabo por seguidores do Movimento Hare Krishna, em Mayapur, estado de Bengala, Índia. O templo é de um embelezamento artístico encantador. Nas mesmas proporções, a dimensão da maravilha da obra está na mesma dimensão do obsoletismo das ideias astronômicas que serão exibidas neste planetário védico, isto é, com base em livros escritos há mais de 1,5 mil anos e em fantasiosas noções astronômicas compiladas a partir de tradições ainda mais antigas.

Os autores purânicos imaginaram o universo no formato de um ovo.

            A ideia da construção foi planejada pelo fundador do Movimento Hare Krishna, A. C. Bhaktivedānta Swami Prabhupāda, através de muitas conversas e uma carta de novembro de 1976, nas quais ele sugeriu a construção de um gigantesco planetário e dentro dele um enorme modelo do universo, conforme a descrição do Livro V do Bhāgavata Purāna, isto é, um universo na aparência de um imenso candelabro com componentes móveis e em três dimensões, inclusive com o uso de escadas rolantes para os observadores no interior do planetário, em razão da imensidão da obra.  O planetário está no interior do domo do templo, o qual abriga um modelo móvel do universo de acordo com as escrituras hindus. Este modelo explica os sistemas planetários e exibe todos os componentes do universo védico na forma de um imenso candelabro também móvel.

O interior do domo do planetário védico ainda em construção, com o candelabro universal ao centro.

            Apontar todos os obsoletismos cosmológicos dos Purānas aqui seriam necessárias muitas páginas, portanto, no caso de interesse do leitor, indico a leitura do estudo “Os Fantasiosos Movimentos do Sol nos Purānas”, publicado aqui em fevereiro de 2021, no qual, apesar da circunscrição ao assunto do Sol, o leitor poderá, a partir deste texto, ter uma noção do delirante grau de imaginatividade da cosmologia purânica. Na visão mitológica dos Purānas, o Sol não é estacionário, muito ao contrário, ele executa um movimento orbital em torno da Terra, com variações na velocidade, tais como os movimentos rápido, lento e moderado, bem como os movimentos para cima e para baixo do equador da Terra, os quais determinam as diferenças nas durações do dia e da noite, uma vez que os autores purânicos não conheciam o movimento orbital da Terra em torno do Sol, bem como a inclinação do eixo da Terra, responsáveis pelas diferenças nas durações do dia e da noite, e pelas estações do ano. Em sua viagem, o Sol é acompanhado pela carruagem do Deus Sol (Sūrya).

O candelabro universal exibindo a cosmologia védica.

O desconhecimento, na época da composição destes textos, era tão grande que se chega a dizer que o Sol é menor que a Lua, que é habitado por divindades, apesar do imenso calor, que o Sol percorre em um ano todos os signos do zodíaco em sua viagem pelo universo, que só existe um único Sol no universo, portanto as estrelas não são sóis de outros sistemas planetários, que o universo é finito e tem o formato de um ovo (anda), que a Terra tem um tamanho equivalente à metade do Sistema Solar, etc. (para aprofundamento, ver: Botelho, 2021: 10s).

Arte digital do Templo do Planetário Védico, conclusão prevista para 2022.

            O mais intrigante ainda, para os astrônomos e cientistas, é a alegação, pelos devotos do Movimento Hare Krishna, de que este “planetário védico” será um complemento para a atual cosmologia científica. Diante do absurdo científico desta alegação, faz-se necessário observar que, acrescentar ideias astronômicas, com base em mitologia e em fantasia, no cabedal científico, não é complemento, mas sim retrocesso cultural. Planetário é um espaço científico para divulgação do atualizado conhecimento astronômico, portanto nunca se construiu um planetário com base em conhecimento mitológico, de modo que este será o primeiro.

A Carruagem do Deus Sol (Surya) puxada por sete cavalos brancos.

            A desaprovação da comunidade científica por esta fantasiosa obra não aconteceria se, ao invés de atribuir a esta construção o papel de “planetário védico”, se lhe atribuísse o papel de “museu de cosmologia védica”, retirando assim a sua pretensão de contribuição científica e, ao mesmo tempo, criando uma contribuição para a história das ideias astronômicas do passado, resultando, então, em um proveito cultural para esta imensa, luxuosa e dispendiosa edificação, pois o que será exibido lá serão primitivas noções mitológicas sobre cosmologia, portanto próprias para um museu, e não atualizadas constatações científicas próprias de um planetário. Enfim, em outras palavras, um “planetário védico” não tem lugar na atual cosmologia científica, mas um “museu de cosmologia védica” teria um precioso lugar na galeria da história das antigas noções cosmológicas.

Referência

BOTELHO, Octavio da Cunha. Os Fantasiosos Movimentos do Sol nos Purānas, Fevereiro 2021, Edição Eletrônica, DOI:10.13140/RG.2.2.15246.28486

Na Web:

Candelabro universal: https://www.youtube.com/watch?v=zdX5lffC2IQ

Arte digital do Templo do Planetário Védico: https://www.facebook.com/tovp.mayapur/

Relatório da obra 2020: https://www.youtube.com/watch?v=cqIE-9u1QW0

Um comentário sobre “O Desproveito Científico do “Planetário Védico”

  1. Quem considera literal desconhece completamente sobre as praticas de yoga, a cosmologia vedica nunca foi um conceito literal e jamais deveria ser encarada dessa formas, são apenas aspectros psicologicos trasmitidos em forma de enigmas como em muitas outras tradições. Nenhuma tradição religiosa deve ser confundida com o mundo fisico, foram feitas apenas para serem alvo do mundo mental. Por isso a frase “a letra mata! ou seja, a leitura literal mata!

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